domingo, 20 de junho de 2010

Análise

Luiz se sentia feliz e era um homem realizado, por suas conquistas, seus dois filhos criados e sua carreira consolidada. Mas não se iludia, sabia que o real motivo de sua felicidade era Marta.
Eram casados há 23 anos e ele ainda se sentia completamente apaixonado por ela... Uma vez um amigo disse num tom triunfante de descoberta, esperando o aval dos homens e a simpatia das mulheres:
- Casamento é um vício ! A gente se acostuma com a presença um do outro e pronto! Deu certo!
Na hora Luiz não disse nada mas não podia concordar, porque não era costume o que sentia, sabia disso porque nunca tinha se acostumado ao ouvir a expressão que lhe causava tanto prazer: “_Sabe a Marta do Luiz...”
E ouvir aquilo com tanta naturalidade era para ele uma satisfação! Uma satisfação quase tão grande quanto acordar depois da esposa, que sempre dormia muito porque tinha muita preguiça de manhã. Mas quando ele conseguia acordar mais tarde que Marta era uma maravilha. Podia sentir minutos antes de abrir seus olhos que os olhos dela estavam por cima dele, e sabia que ela sorria um sorriso sereno. Luiz abria os olhos sentindo aquele cheiro fresco, mas deixava o corpo dormindo; Então ele sorria de volta para a mulher, depois os dois ficavam assim se olhando e imóveis, compartilhando o amor que ainda sentiam um pelo outro.
Feliz estava Luiz com Marta e a vida que levavam juntos, quando ele foi surpreendido com a notícia:
- Acho que quero fazer terapia.
Disse Marta em tom meio distraído enquanto passava perfume para sair.
-Como? Perguntou Luiz ainda estarrecido pela notícia...
- É, amor. Terapia! Que tem demais?
Agora dando os ombros e abotoando os brincos. E depois de um riso debochado emendou:
- Olha só como te conheço! Sabia que ia chiar, até falei pra Bia que...
- Aháaaaaaa!
Interrompeu Luiz como se tivesse feito uma descoberta e agora visivelmente irritado.
- Ahá? Como assim Ahá? Que quer dizer ahá?
- Quer dizer que eu sabia que tinha dedo da Beatriz nisso!
- Nisso o quê? Tá maluco? Nisso de fazer terapia? Devo rir, Luiz? Ta parecendo um pai de adolescente que fica procurando um culpado por ter achado uma camisinha na bolsa da filha...Ridículo!
- Ridícula é você: Mãe de família dando ouvidos a Beatriz... A “dona-não-acredito-em-casamento”! Aliás, se não acredita não devia viver atrás de um coitado para casar de novo! Ah... E nem me lembre do episódio da camisinha da Camila, que pra mim aquela história ainda não desceu!
- Sabe, Luiz, tem horas que sua cabeça dura me assusta... Tô atrasada pra trabalhar! Depois a gente fala sobre isso! Disse Marta enquanto se abaixava para um beijo de despedida.
Luiz segurou nos seus braços, nem refugando o beijo nem se deixando beijar, e como uma última tentativa pediu agora com olhar tenro:
-Ô amor.... Faz terapia não! Tá tudo bem! Não está? Para com isso! Tenho medo de te perder!
Marta, murchando os braços e abrandando a postura ríspida, sentou do lado de Luiz na cama e, meio aturdida, perguntou mais para si própria do que para o esposo:
- Luiz, você acha que vai me perder se eu fizer terapia? Sim, está tudo bem conosco, mas a terapia é para mim e não para o casal.Onde quer chegar com isso?
_ Vê bem amor... A Lúcia e o Eugênio.
_ Que tem os dois?
_ Se separaram por causa de terapia!
_ Nada disso! Ele a destratava! Chamava de cachorra! A terapia não teve nada a ver com a separação dos dois!
- Era tara dele!
- Tara? Chamar ela de cachorra?
- Era! Desde os tempos de faculdade. Falava empolgado – to com saudades daquela cachorra!- Era uma graça, a gente morria de rir do Geninho todo apaixonado.
- E ainda falava na frente dos amigos? Não acredito nisso.
- Ele sempre a chamou de cachorra. Passaram quinze anos bem ! Ele tendo uma cachorra e ela gostando de ser uma. Aí vem um terapeuta e diz que ser cachorra é falta de respeito e é errado... Não da para entender as mulheres! Deviam assumir seu lado cachorra com mais orgulho!
- Não é culpa do terapeuta!
- Ok! Talvez não seja culpa integral, mas tem que se fazer terapia para fazer terapia... Não estamos preparados para encarar nossa realidade!
- Tá maluco Luiz!
- Olha a Vidinha e o Valter...
- Ah não! Não defende o Valter ! Ele não gostava de banho! Me diz como é que se fica com uma pessoa que não toma banho?
- Pergunta pra Vidinha, que ficou oito anos com ele, fora uns três ou quatro que passaram juntos namorando. O cara não parou de tomar banho de uma hora para outra, né Marta? Pensa bem!
- Uma hora a pessoa se cansa! É isso! E eles namoraram dois anos, seu exagerado!
- Não sei! O que eu sei é que uma hora vem um terapeuta que nunca acompanhou o casal em suas vidas sujas e felizes e condena a pobre da Vidinha a limpeza e a solidão eterna!
- Você é um bobo!
- Amor, contra os fatos não há argumentação!
- Luiz, me ouve bem: EU TE AMO! Não há ninguém desse mundo que possa me convencer do contrário a não ser você mesmo. Entende isso? Confia em mim?
Depois disso Luiz já sabia que era tarde demais. Não havia mais argumentação! No instante em que Marta derramou tanta doçura por cima da discussão ele não poderia fazer mais nada! Beijou a mulher resignado e a deixou seguir para seu corrido dia, dizendo:
- Certo meu bem! Confio em você! Você decide!
Marta saiu contente e no caminho para o trabalho confirmou com a secretária do Dr. Juscelino a consulta pré-agendada para o dia seguinte pela manhã, antes do trabalho.
De tão ansiosa, Marta acordou muito mais cedo nesse dia, e ela amava acordar mais cedo que o marido. Porque escovava os dentes e se recolocava toda fresca na cama exalando um perfume cítrico, e estrategicamente soprava um sopro suave nos olhos de Luiz para que ele acordasse sorrindo e a olhasse com amor por alguns instantes. Mas naquele dia ele a olhou mais apaixonado do que era o costume e os olhares foram mais intensos e menos duradouros. Esqueceram-se que não era domingo e se entregaram aos beijos !
Segundos depois o despertador de Marta anunciou frenético a consulta. Em um solavanco ela o calou apressada! Pensou decidida enquanto se encaixava de volta nos braços de Luiz, sentindo seu coração:
- Terapia? Hoje é que não!
**Agradecimento especial ao meu novo e adorável corretor- Valdir Rezende

5 comentários:

  1. Grudei o olho e não parei de ler até o ponto final e ri muito... que bom escrito Aline. Tua abordagem sobre o cotidiano, sobre o coloquial arrasa sempre.

    Um beijo amigo e companheiro.

    Carmen Silvia Presotto
    www.vidraguas.com.br

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  2. Obrigada Carmen! O intuito era fazer rir mesmo!
    Beijo!

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  3. Amiga,

    amei por ser uma crônica despretenciosa.
    Uma escrita fácil de ler e empolgante.
    Você é muito boa nisso, sabe colocar a essencia num texto simples e divertido.
    Isso que é bom ... estamos trabalhando e paramos um pouquinho pra entrar no blog da Aline, aí começamos a ler e nos empolgamos, morremos de rir, concordamos e pronto voltamos ao trabalho.

    Mil beijos.

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  4. Amiga linda,
    Obrigada pela presença e leitura generosa dos meus textos...Você sabe da importância dos seus comentários para mim!
    Beijo Enorme!

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  5. Aline,
    Uma delícia... Aline ao estilo Luís Fernando Veríssimo, e é vero, veríssimo isto. Texto "grande", mas de ler sem perceber o tempo passar e sem notar o que se passa em volta. Hipnótico. Continue fazendo contos/crônicas assim.
    A imagem de Freud tricotando com a maçaroca de fios que é a cabeça da gente é GENIAL! Tem uma assinaturinha, lá, mas não conheço tanto os cartunistas pra reconhecer pela assinatura.
    Adorei, cronista de alma inquieta.
    Beeeeeeeeeeeeijo.

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