quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Assombração

Essa é uma história corriqueira, de qualquer uma dessas assombrações que atravessamos por aí, ou que nos atravessam sem mesmo nos darmos conta.
E foi de tão comum que essa fantasma, me chamou atenção. Além do fato, confesso, de sentir por muitas vezes a espinha gelar da nuca até o calcanhar, quando me sinto observada por quem se esconde nas frestas de nossas casas quando estão desalinhadas.
Seu nome, foi o único presente de sua ausente mãe, que logo depois do registro a abandonou com a avó paterna: Setembrina, que sempre se questionava se a genitora o fizera de propósito, como um mimo para que de certa forma fosse lembrada.
Ela era chamada de Dona Setembrina, e sempre foi Dona, desde bem pequenininha. Era Dona até para a avó que a criou chamando por Dona ou Doninha, no diminutivo não por carinho mas por ironia.
E apesar de todo significado de sua (des)graça, Dona Setembrina, nunca suportou a primavera. Achava os dias claros demais, as pessoas indecentemente coloridas e o mais insuportável e que nada amenizava o sol quente e o azul abusado do céu. É bem verdade também que nunca apreciou as chuvas fortes ou as tempestades escandalosas. Ela gostava mesmo era de neblina!
Adorava se esconder entre fumaça de som quando mais jovem nas festas... Achava a coisa mais linda a pintura que se formava no céu quando o dia amanhecia nublado, envolto em nuvem densa. E por isso, fumava uma carteira e meia de cigarro por dia, gostava de produzir fumaça, pela beleza, pelo ambiente e esse era seu único prazer, mesmo assim, a Dona nunca sorriu!E foi dessa forma, escondida, que Setembrina resolveu levar a vida, sempre na beirinha vivendo na margem fina do mundo.
Escolheu uma vida de meio. Se achava meio feia, meio tímida, meio burra, meio parada e até meio preguiçosa! Se esquivava dos raios de sol e de tudo que pudesse de alguma forma toca-la. Logo cedo antes de ir para o trabalho, que detestava e mantinha há quinze anos, ela treinava várias caretas no espelho. Descobriu que com um semblante bem carregado e sons que lembrassem um resmungo, conseguia afastar as pessoas e seus pedido indecentes de auxílio já que era secretária e não empregada pessoal de ninguém.
Mesmo com todo seu esforço, Setembrina não escapou de arranjar um namorado, mas tomou cuidado e nunca se apaixonou. Detestava beijo de língua porque sentia engolir a saliva do companheiro lentamente... O que sempre lhe causou náuseas. O namorado não se importava e até parou com os beijos após flagrar a parceira com ânsias. Estavam juntos porque desacreditavam nas mesmas coisas e tinham as mesmas despretensões da vida!Sentiam, de alguma maneira torta, que era melhor serem sozinhos juntos do que sozinhos separados. De vez em quando, ensaiavam um sexo limpo, no escuro e em noites de domingos frescas porque não suportavam suor.
Em um episódio curioso, digo curioso porque não era costume que as pessoas olhassem diretamente para Setembrina, mas certa vez, uma colega notou que a secretária emagrecia a olhos vistos e rapidamente, então se preocupou. Perguntou em tom amigável se estava tudo bem, mas a Doninha ao soltar um de seus resmungos emendou com uma careta:
- Se emagreci? Não notei! Detesto espelhos!
Depois disso os dias passaram iguais, meses e anos no mesmo ritmo, o tempo não se incomodou com a magreza de Setembrina, com seus cigarros ou com as caretas e suspiros fundos. Até que em um desses dias comuns, nem azul, nem cinza, Dona Setembrina simplesmente desapareceu. Não deixou rastro, poeira ou fumacinha que a denunciasse!
Os otimistas suspeitam que foi depois de uma névoa que apareceu cedinho na cidade, a hipótese é de que ela teria emagrecido tanto que saiu a pairar na densidade sorrindo pela primeira vez!
Outros, mais realistas, ditam um final dramático para nossa despretensiosa protagonista, dizem que de tão magra ela foi sugada por uma dessas frestas de alguma casinha desalinhada e de migalhas ainda vive, porque se acostumou a elas durante toda sua não existência.
O fato é que nunca mais se teve notícias de Dona Setembrina e seu namorado ainda a espera todos os domingos, sentado no sofá mofado da sala com um olho no céu, através da janela embaçada pelo tempo, e outro nas tais frestinhas... Quando sente um ventinho gelado se arrepia e faz o nome do pai.

9 comentários:

  1. Que conto delicioso, Aline. Descreveste como se a conhecesse de tão bem escrito e detalhista. Escolho a versão de que Dona Setembrina desapareceu na densidade (adorei isso). O final também foi arrebatador. A espiritualidade encerrando o misticismo.

    Parabens pelo tanlento.

    beijo!

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  2. Pablo,
    Que bom que gostou!
    Mas de fato conheço Dona Setembrina, aliás acredito que todos nós conhecemos alguma Setembrina...rsrsrs
    Bom te ter aqui e contar com sua leitura!
    Obrigada!
    Beijo Grande!

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  3. Aline valeu esperar, gostei muito e como há setembrinas pela vida, pessoas feito névoas que passam sem deixar rastros e tua ironia nos leva ao olhar destes vazios.

    Um beijo grande e que logo venha a Outobrina, (rs)!

    Carmen.

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  4. Onde andará Setembrina?

    "Se tens brina? Como existem!"

    GHOSTem ou não!

    Muito Aline!

    be:)o!

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  5. Carmen e Tonho,
    Vcs não sabem o que é para mim poder contar com leituras e comentários de verdadeiros artistas como são voces dois!
    Me sinto muitíssimo honrada...
    Muito obrigada pela presença e generosidade!
    um super beijo duplo!!!

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  6. Olha, continuo postando cinco poemas diarios em meu blog, http://lenjob.blogspot.com, mas vim apresentar o meu castelo, http://castelodopoeta.blogspot.com, que é interativo, com poemas de outros poetas, videos, curtas, entrevistas, exposições e etc..., sempre de arte, fotografia, moda (e segunda será postada a entrevista com a booker Sandra Sayão da Ford Models de Minas) e esportes alternativos e queria sua visita lá. Aguardo!
    Atenciosamente,

    João Lenjob

    Os Teus Passos
    João Lenjob

    Se estais tão triste
    Comprometo-me com teus passos
    Os sigo sem a auto-piedade
    E deixo escorrer em mim as tuas lágrimas
    E faço-me a tua ternura
    Faço-me o teu destino, teu menino, tua vida
    E busco a felicidade e que venha dobrada
    Que chegue repleta de sonhos
    Que enriqueça cada segundo de esperança.

    Se estais tão triste
    Interfiro em todos os teus passos
    E choro como companheiro
    E prometo que jorrará em ti dias melhores
    E faço-te nossos momentos
    Faço-me a lembrança de uma serpentina, minha menina
    E escolho o teu sorriso como recordação
    Que aconteça com naturalidade
    Que seja enorme como foste para mim, nobre mulher.

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  7. Bem vindo por aqui João e com certeza será um prazer conhecer seu espaço...
    De qualquer forma fica aqui a divulgação!
    Abraço!

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  8. Amiga, é claro que conhecemos Setembrinassss espalhadas por aí hehehe ... adorei, você escreve muito bem, gostei principalmente dessa parte:

    "Estavam juntos porque desacreditavam nas mesmas coisas e tinham as mesmas despretensões da vida!"

    Porque isso aconte com algumas pessoas?!

    A vida é tão bela, cheia de cores, gostos e cheiros, com algumas pedras e buracos, mas na maioria são só coisas boas.

    Que pena ... pelas Setembrinas ... que dó!

    Beijos.
    Parabéns pelo seu conto.

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  9. Ticia
    Muito bom te ter aqui..
    Sabia que reconheceria as Setembrinas!rsrsrsrs
    Ooooooooo dó!
    Vem mais aqui tá...
    Beeeeeeeeeijo!

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